segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

São Tomé e Principe - A viagem de uma vida - 8 dias

Dia 1 - Partida às 23:30 ou pelomenos foi assim que o venderam... O voo da STP estava cheio! Ao chegarmos à zona de check-in a fila prolongava-se ao longo do adro. À vista muitos paraentemente S.Tomenses de regresso/visita a casa.
Primeiros 5 minutos na fila e 3 abordagens para partilha de peso de bagagem. O peso extra paga-se caro (11EUR / Kg segundo nos disseram) que repartido pelos escassos turistas apenas conseguiram aliviar alguns. Conhecemos uma portuguesa a viver em S.Tomé e ali na fila do check-in tomámos nota de uma série de dicas. Conselhos que se revelaram úteis: "levem dinheiro vivo e aluguem um jipe". Mais uma paragem no MB antes de embarcar e lá fomos nós carregados de notas como se fossemos traficantes de droga (mal saberiamos que estas se multiplicariam por muitas mais com o câmbio).
As malas não tinham ficado  no porão?? Toda a gente carregava mais 2 a 4 malas/sacos que se amontoavam na zona de filtragem de bagagem e se separavam dos donos para serem direccionadas para o porão. Algum do peso extra poupado retornava ao preço de 11EUR/kg. Ajudámos algumas pessoas com sacos. O país é pobre e as pessoas levam o máximo que podem.
Finalmente no avião! São 23:45, não há lugares juntos e continuam a entrar passageiros... São 00:30 e continuam a entrar passageiros! Levantamos voo às 01:00. Lá vamos nós para a ilha do S.Tomé e do principe que não é Tomé. `
Às 06:30 iniciamos a descida.


Dia 2 - Finalmente aterrámos! A chegada de um avião comercial de voo não doméstico é um evento social que ocorre duas vezes por semana. As pessoas amontoam-se para espreitar e tudo pára para observar. A recolha da bagagem é um "salve-se quem puder". O transfer já está à nossa espera. Teria sido desnecessário, mas inexperientes, levámos alguns transfer incluidos. Visto carimbado, bagagem ás costas e lá fomos nós com um punhado de notas de euros para trocar por maços de Dobras. 300EUR resultaram em mais de 7milhões de Dobras! Sim, sete milhões!!! Tivémos de distribuir o dinheiro por várias carteiras. Muitas notas mas pouco valor, o dinheiro tinha de chegar para a semana toda.
Deixámos a capital e fomos directos à Roça de Bombaim, ainda a organizar as notas. A capital ficará para visitar no regresso, no último dia na ilha. A Roça fica no inicio da floresta (ou será selva?) rodeada de vegetação que começa a engolir as casas abandonadas e a estrada. Depois da independência as Roças foram entregues a agridultores locais que pouco ou nada as exploram, deixando degradar os edifícios e as estruturas de apoio.  
A Roça é fantástica! Bastante velha e a precisar de manutenção urgente, mas com uma vista de cortar a respiração. Desejosos de um banho a água corria num ténue fio que entretanto cessou. O gerador de luz so funciona ao escurecer , a TV e a rádio não fazem falta, apenas ou sabor do silencio da Natureza. Explorámos a Roça até à hora de almoço que nos surpreendeu com o requinte digno de um um restaurante gourmet por um merecido preço de 15EUR/pessoa. As pessoas são simples e simpáticas, sempre prontas a ajudar. Á tarde fomos explorar a roça de Água Bela, uma das mais pobres de São Tomé. O segurança da roça onde estávamos alojados ofereceu-se para nos acompanhar. Enchemos as mochilas com brinquedos e algumas roupas que levámosp ara distribuir pelas crianças e começámos a subir pelo mato. A roça de Água Bela não é um ponto turistico pelo que raramente é visitada por não locais. O nosso "guia" conhece toda a gente e todos querem tirar fotos. Sentimo-nos bem! As crianças pedem "doce! doce!". Distribuímos tudo o que levámos, bebemos vinho de Palma em casa da tia do nosso guia e comemos goiaba, colhida directamente da árvore. A todo o momento, homens e mulheres (mas sobretudo homens) saem do mato com as suas catanas, carregando sacas de jaca ou vinho de palma acabo de colher. A tarde foi de recompensa interior. O "leve leve" da ilha começava a apoderar-se de nós, sempre brancos, mas brancos no meio são tomenses.
O nosso "guia" tem 6 filhos, vem a caminho o número 7 mas nem todos da mesma mulher. Aqui a poligamia é usual sobretudo nas zonas mais interiores. Ele faz parte da "PIDE" local que controla e regista a entrada e saída de pessoas na região. Neste momento está a elaborar uma lista de residentes para que iniciem um processo de recenseamenro eleitoral. As eleições estão próximas e em troca de uma inscrição o partido distribui T-shirt e outros gifts.
Antes de regressar à roça, um mergulho glamoroso numa cascata. Um belo banho tomado (pelo sim pelo não prevenimo-nos, já que provavelmente não haverá água suficiente na roça) e uma bagagem já cheia de experiências para partilhar, aguardamos pelo jantar no silêncio da  montanha, a ler e a escrever à luz da vela (não me lembro da última vez que o tinha feito). O que será que "Le Chef" nos terá preparado desta vez?! Um peixe maravilhoso chamado "bonito" e com poucas espinhas como eu gosto! O nosso "guia" ofereceu-nos uma garrafa de vinho português que comprou na cidade para acompanhar o nosso jantar (curiosamente, vinho do Cartaxo! Quase não acreditámos quando vimos o rótulo). Dividimos com ele e com "Le Chef" e seu ajudante. Esta noite vão dormir os três na casa principal. Sempre que a roça tem hospedes, o guarda dorme com o cozinheiro e o ajudante nos anexos da casa. Enquanto aproveitavam os poucos minutos de luz a ver uma novela brasileira na TV, jantamos calmamente até que.... acabou-se o combustível! O gerador parou e acabamos o jantar à luza das velas. São 20:30! Não me lembro também da última vez que me deitei a esta hora. Ao adormecer, o som de milhares de animais lá fora, cada um com a sua melodia. Somos os únicos brancos num raio de muitos quilómetros de são tomenses com catanas :) Dormimos tranquilos.

Dia 3 - 8:30! Toca a acordar! Ninguém diria que dormimos 12h. Já está calor lá fora e temos de nos apressar porque não queremos perder o pequeno-almoço por nada deste mundo! Não há água na torneira... não faz mal, um pequeno luxo de lavar os dentes e a cara com água do luso resolve o problema. Vamos, toca a despachar! O pequeno-almoço! Ao abrir a porta do quarto descobrimos que um enorme morcego nos tinha estado a velar toda a noite.
Num instante o pequeno-almoço estava pronto. Enquanto comiamos a roça recebeu alguns visitantes. Entraram... e sairam, depois de um breve olhar pela casa colonial. "Le chef" estava atarefado. O filho do patrão tinha vindo com visitas e tudo parecia estar igual  mas com um ar pesado de "controle". Arrumámos tudo e despedimo-nos de todos. Levámos no saco um "sap-sap" e dois mangustão oferecidos pelo nosso "Le chef". Partimos!
 A viagem curta em distância mas longa em duração, levou-nos junto à costa, rumo a Sul, até à Roça de S. João de Angolares. Pelo caminho, as casas e as pessoas prendiam a nossa retina. Casas e barracas, carros e motas, mercearias e lojinhas de fruta e roupa e tanta coisa... Pessoas a pé ao longo de todo o caminho. Mais tarde ficámos a saber que a maioria da população (a maioria, leia-se, mais de 90%) não tem transporte próprio e o transporte publico é bastante escasso pelo que, é usual fazerem kilómetros a pé de uma povoação para outra.
De quando em quando encontrávamos mulheres a lavar a roupa num riacho ou loiça numa fonte, que depois transportavam em grandes alguidares à cabeça. A roupa é estendida à beira da estrada, muitas das vezes em cima do próprio alcatrão. Pergunto-me por que razão não a estendem nas árvores que minam as margens da estrada e a ilha em geral? Em S. Tomé, as mulheres têm mais dificuldade em arranjar emprego, principalmente se não tiverem pelo menos a escolaridade mínima, dedicando-se exclusivamente à familia e vida do campo.
Começou a chover! Mas continua muito muito calor =) Chegámos à Roça de S. João pelas 12h30. Esta Roça é muito diferente da anterior e está a 2min a pé da povoação de Angolares. Está bem conservada, mas não esperam mordomias de hotel (se as quiserem, escolham um hotel). Não há água quente outra vez, mas isso será um luxo que teremos de guardar para quando regresarmos a Portugal. A porta do meu quarto não fecha, mas também não há mais hospedes na roça. Tudo está "leve leve" ao sabor da ilha.
Sentamo-nos no páteo coberto e traçamos roteiros enquanto bebemos sumo natural de maracujá e comemos uma maravilhosa sandes de omelete, ainda preparada pelo "Le Chef". Será que iremos comer assim tão bem aqui? As rotas estão delineadas e como tudo na ilha tem de ser marcado de véspera, aproveitamos o dia para um "leve leve" de descanso. Descemos até à vila, agitada e a transbordar de vida. Nenhuma criança nos pediu doces. Descemos até à praia dos pescadores onde bebemos uma cerveja nacional, sem rótulo mas garantidamente nacional. Começa a chover e por isso deixamo-nos ficar por ali mais algum tempo. Há um pequeno núcleo de pescadores que explora o bar,mesmo à beira da praia numa grande baia. Enquanto os São Tomenses jogam ás cartas aproveitamos para contemplar as movimentações domingueiras. As pessoas atravessam a baia, bastante longa, pelo meio do mar, carregando lenha, alguidares e todo o tipo de objectos à cabeça, de uma margem para a outra. Não existe passagem por caminho "seco" mesmo com a maré baixa. A única alternativa é atravessar, com água acima da cintura.
Os mais novos divertem-se na areia escura ou a mergulhar. Parou de chover! Marcamos um passeio de barco e um mergulho para o dia seguinte, se o tempo o permitir, tiramos fotos e regerssamos à roça. Fazemos o trajecto inverso e algumas pessoas, que observavam apenas enquanto desciamos, retornam agora o nosso "boa tarde" quando regressamos. Um rapaz pede-nos para lhe tirarmos uma foto junto ao posto de abastecimento onde trabalha. Tiramos! A seguir uma rapariga pede também uma foto. Arranja o cabel, ajeita a saia e tiramos outra foto. De repende toda a gente quer tirar fotografias e num instante, somos os fotografos de serviço :)  A máquina continua a disparar e a promessa de enviarmos "os postal" pelo correio fica semeada. Continuamos a subir a rua e apenas vemos alguns brancos em alguns restaurantes acompanhados de guias, ou de passagem dentro do jipe. De repente constatamos que já não viamos brancos desde o aeroporto (parece que já foi há tanto tempo!), mas não sentimos qualquer falta. Tempo... parece ser de diferente qualidade nesta ilha. Talvez as horas aqui tenham mais minutos. 
Ao jantar, mas iguarias. Tiras de côco assado com canela para abrir o apetite, peixe fumo, sopa de mata-bala, peixe celélé com umas batatas maravilhosas e para sobremesa tiras de doce de papaia com maracujá. A acompanhar o café e a conversa com a Tita (responsável pela roça na ausência do Sr.João, dono da roça) , "aranhas de côco" de fazer crescer àgua na boca. Embora sejamos os únicos hospedes, é frequente a roça estar cheia de  gente. Desta vez, não há mais ninguém e por isso, deixamo-nos ficar mais um pouco. Somos nós que fechamos a porta antes de deitar e ficamos com a roça por nossa conta e do guarda nocturno.

Dia 4 - Dormimos bem (quase 12h novamente) e acordámos cedinho para o passeio. Água na mochila, pequeno-almoço na barriga e lá fomos para uma aventura de mais de 6h. Vamos com o guia da roça. Ele nasceu na roça de S.João e lá permanece. Não leva mapa nem qualquer utensílio. Entramos na mata e seguimos por atalhos engolidos pelo cantos dos pássaros e pela densa vegetação. Com a sabedoria e olhares atentos do nosso guia, identificamos dezenas de espécies de pássaros e plantas. Conseguimos ver e ouvir um "obô"!!!!!!! Dizem que quando o obô canta é sinal de chuva, mas felizmente não choveu. As jacas, o fruto mais comum, crescem por todo o lado, grande e imponentes. Vemos cacau de S.Tomé, vermelho e branco, banana ouro, banana maçã (sabe mesmo a maçã!), banana prata e tantas outras. Agora é época de café e não de cacau, por isso os secadores de cacau estão inactivos.
Passamos por algumas roças, com muitas casas abandonadas ou muito degradas. Á volta os roceiros vivem do que a terra lhes dá, raramente encontramos hortas ou qualquer cultivo. Distribuimos mais alguns brinquedos e roupa pelas roças mais distantes e canetas pelos meninos que fomos encontrando a caminho da escola. Estamos muito longe de Angolares e o trajecto para a escola é feito a pé todas as semanas. Quem tem família na cidade tem onde ficar, no entanto quem não tem deixa muitas vezes de ir à escola ou fica em casa das irmãs freiras que acolhem as crianças durante a semana.
Avistamos a roça de S. João ao fundo, bem longe de nós, de tal forma que conseguimos tapá-la com o polegar. Mais tarde, depois de 4h de caminhada, chegamos à cascata que foi o propósito da nossa caminhada, mesmo ao lado da aldeia de "Ribeira de Peixe". É gloriosa! Tiramos algumas fotos e saboreamos o mergulho da recompensa. Já com a experiência dos mergulhos anteriores, levamos sabonete (não deviamos, estamos a poluir a água) e aproveitamos para tomar um "duche" na cascata. Assim que tiramos o sabonete da mochila, as crianças que brincavam na outra margem começam a gritar na nossa direcção pedindo "perfume"! Faço-lhes sinal para que se aproximem. São todas meminas, entre os 5 e os 8 anos provavelmente e com um pouco de sabonete para cada uma tomamos banho todas juntas e damos uns belos mergulhos. Agora somos as melhores amigas e elas fazem muitas perguntas e querem tocar no meu cabelo loiro. Tenho a sensação de que vou ser tema de conversa por uns dias :) Lembro-me que tenho algumas amostras de cremes e shampoo na mala e distribuo por elas. Ficam radiantes! Despedimo-nos e seguimos caminho, cada uma para seu lado mas todas a cheirar a sabonete de amêndoa.
Depois do mergulho e de alguns momentos de descanso, o caminho de volta parece muito mais longo. Ao contrário da viagem de ida, quase não falamos e limitamo-nos a caminhar fazendo apenas um ou outro comentário avulso. Encontramos várias pessoas vindas de Angolares que carregam comida ou bens. Uma boleia seria uma boa ideia... Estamos em terras do Sr. Fernandes, o único português que não partiu a quando da independência de S. Tomé. Terá agora cerca de 80 anos e não tem filhos nem irmãos, segundo o nosso guia. Passamos por vários roceiros e pastores que trabalham para ele. Todos os respeitame ninguém tira nada das terras do Sr. Fernandes. 
Passa por nós um tractor que vai carregar jacas e seguirá para Angolares. Boleia??!!! Ajudamos a carregar as jacas para o tractor, alguma lenha e em troca temos a nossa boleia e um naco de jaca! Pelo caminho juntam-se mais três rapazes, duas mulheres e um homem. O tractor vai cheio! Por onde quer que passamos todos saudam quem segue no tractor. Nós saudamos de volta. Passamos pelas obras na estrada, por onde já tinhamos passado de manhã mas o chefe não está e portanto otrabalho foi folgado. Chegamos a Angolares. Iupi! Agradecemos a boleia e vamos almoçar. Que horas são? Que interessam as horas. Convidamos o nosso guia a juntar-se-nos para o almoço e pedimos que nos leve a um sitio onde S. Tomenses e não os turistas costumem frequentar. Ele leva-nos a uma casinha mesmo ao lado do mercado a fervilhar de gente.
Regressamos à roça para um duche (sim, mais um, está mesmo muito calor) e descemos rapidamente à praia mas não podemos fazer o nosso passeio e mergulho. O mar está muito revolto e não é seguro fazer a actividade. Atravessamos então o mar tal como os S. Tomenses que carregam lenha e peixe de uma margem para a outra. Arregaço o vestido e coloco a mala à cabeça. Passamos com àgua um pouco acima da cintura. A praia é deslumbrante no seu areal escuro que contrasta com a espura branca e o azul do mar. A água está morna mas mesmo assim refrescante. Mergulhamos e voltamos para a roça. Pelo caminho levamos mais um saquinho de jaca mais uma vez cuidadosamente preparado. Estamos exaustos e já está a escurecer. Descansamos e aguardamos pelo jantar.

Ementa
Entrada - Atum frito com molho de azeitonas, baunilha e mandioca
Sopinha - Sopa de feijão
Prato Principal - Frango com arroz de Ananás
Sobremesa - Ananás Natural


Dia 5 - Hoje alugámos um jipe para passear pelas praias. Ligámos para um dos muitos contactos que nos deram ao chegarmos a S. Tomé (choviam cartões de gente que alugava carros e jipes com nomes como "levezinho", "vai e vem" , etc.). Pedimos para que viessem às 8h30m mas... são quase 10h quando finalmente o jipe chega. Leve-Leve! Vamos direito á praia das Sete Ondas e começo a ficar indisposta. Já estava a estranhar já que pelo menos 1 dia com vistas constantes ao WC é mote comum em qualquer uma das minhas viagens. Vou-me aguentando e ainda damos uns vigorosos mergulhos. A praia das Sete Ondas (assim se chama porque as ondas vêm em sets de sete) está deserta como todas as outras que visitámos de seguida e a sombra até á beira do mar, a água tépida e a paisagem dislumbrante e pacifica, torna qualquer uma destas praias um paraiso. Continuo indisposta mas decidimos ir para a próxima praia. Atrás de nós um menino que estava na praia segue-nos e fica atrás do jipe a observar-nos. Chama-mo-lo. "Como de Chamas?" Não responde. Quando lhe pergunto se quer um brinquedo acena que sim ainda tímido. Deixo-lhe um carrinho (um belo ferrari!:) e partimos para a praia de Micondo. Pelo caminho avistamos uma praia lindíssima e não resistimos. Recuamos e descemos até á praia de Colon com a sua pequenina aldeia.
As crianças pedem "doce" quando nos vêm chegar mas já não temos doces apenas brinquedos. Mesmo sabendo que só devemos dar brinquedos quando vamos embora, é dificil resistir e acabo por distribuir um brinquedo por cada um. Saem a correr e a gritar,com um sorriso largo no rosto e um brinquedo "novo" na mão, em direcção à aldeia. Dirigimo-nos para o areal. A praia está deserta mais umam vez. Eis que ouvimos gritos de completa histeria!! Quando nos viramos, um "enxame" de crianças corre na nossa direcção! E agora?! Não tenho brinquedos para todos!!!! Distribuo todos os que tenho e falamos um pouco com os adultos que vieram com as crianças ver os "visitantes". Albertina vive na aldeia desde pequena, foi ali que nasceu e fala dela com m brilho nos olhos. Pede-nos para dizermos aos nossos amigos que venham visitar a praia e a aldeia de Colon. Perguntaram-nos se queremos côcos. Aceitámos e depois de um mergulho numa praia ausente de turistas, fomos brindados com um côco numa praia deserta. Perguntámos quando deviamos dos côcos ao qual nos responderam 50.000 dobras. Na primeira reacção trocámos olhares de indignação! Tinhamos comprado jaca por 2.000 dobras e agora pediam-nos 50.000 dobras por um côco??! Fazemos contas e.. falamos de pouco mais de 2EUR... silenciámos o nosso pensamento estúpido e mesquinho e deliciámo-nos com os côcos numa praia paradisiaca só para nós.
Algumas crianças começam a aparecer por ali. Espreitam com vergonham e exibem os seus novos brinquedos. Pergunto-lhes se andam na escola e gostam de fazer desenhos. Elas perdem a timidez, respondem que sim e aproximam-se. Procuramos paus no meio da vegetação até que todos temos um lápis e começamos a fazer desenhos na areia. Desenho um carro que copiam integralmente. Fazemos concurso para ver qual  é o melhor. Depois desenhamos uma casa e lá dentro colocamos a mãe, pai e irmãos. Todos empenhados enchemos o areal de figuras. É hora de partir. Ficou a promessa de trazermos uma bola no regresso no final da semana.
Já é tarde mas não resistimos a parar na praia de Miconos. A praia está também deserta. Ao fundo uns pescadores lançam a linha ao mar sem cana. Porque não usam cana? Estou novamente indisposta. Estendo a toalha e descanso. Leve.. leve..  Está a arrefecer e já não convida a mergulhos. Decidimos explorar a estrada para Sul. Pelo caminho encontrámos um menino a caminho da escola, mas ainda longe de Angolares. Faz o trajecto a pé e apesar de serem pouco mais de 16h, só chegaria a Angolares perto das 18h se não lhe tivéssemos dado boleia. Chama-se Ginja e anda já no 7º ano. Apanhamos mais dois colegas do Ginja pelo caminho. O jipe está cheio! Sorte que ainda tenho canetas para distribuir. Deixamo-los em Angolares e seguimos em direcção ao Sul. Há menos movimentação nesta zona e após alguns quilómetros avistamos o "Pico do Cão Grande" imponente ao fundo da estrada. Á volta tudo é do Sr. Fernandes, tudo está arranjado e intocável. Voltamos para trás, já está a escurecer. Amanhã voltaremos a fazer este percurso em direccção à Praia Jalé. Pelo caminho três trabalhadores e uma criança fazem-nos companhia no jipe até Angolares. Mais um longo caminho poupado. Os transportes aqui são poucos, muito poucos e facilmente esgotam. Homens, mulheres e crianças percorrem muitos quilómetros a pé todos os dias para o trabalho, casa e escola.
Estamos novamente na roça, mas não me sinto nada bem. Já seria de esperar com tanta volta. Um banho e apenas uma sopa ao jantar com chá de goiabeira fez milagres. Vamos dormir. Última noite na Roça de S. João e continuamos a ser os únicos hóspedes.

Dia 6 - Estou bem! Mas estou no centro de saúde de Angolares. O Daniel está desidratado e vai ter de levar soro. Provavelmente o início de uma gastroentrite. Ponderamos não continuar e regressar à cidade de S. Tomé. Hoje iriamos para a praia Jalé onde não há luz nem transportes, o que carece de ponderação. Pesados os prós e os contras e avaliadas as opções, alugamos jipe e assim teremos como nos deslocarmos caso surja alguma emergência. Se alguém piorar, o enfermeiro de Portoalegre estará a 2km de distância. Compramos todas as bolachas Maria que a banca de mercado tem. Pagamos a estadia e despedimo-nos apressados sem agradecer devidamente. Ainda há tempo para deixarmos alguns livros para a creche e esvaziarmos o quarto. Agora aguardamos que o Daniel tenha "luz verde" para partirmos. Em Angolares está um posto da AMI que nos ajudou nos contactos. O enfermeiro S.Tomense é impecável e trata de tudo com muito cuidado. Enquanto aguardamos, uma mãe chega com uma criança de 4 meses queimada.  Num descuido, a água a ferver caiu em cima da bébé e as dores são grandes. Tem bolhas nas pernas, colo e zona genital. O enfermeiro dá indicações rigorosas à mãe e manda-a regressar no dia seguinte para controlo. Infelizmente ao que parece, casos como este são frequentes. Mães muito novas que facilmente se descuidam e por vezes se desleixam. A médica da AMI passa para saber como estamos, se o Daniel está a ser bem atendido e se sente melhor. É bom sentirmos um apoio extra num país que não é o nosso. Já são cerca de 17h quando o Daniel tem alta. Levamos soro em pó para prevenir alguma recaida e despedimo-nos.
Antes de partir, abastecemo-nos com água. Não queremos mais ninguém doente ou desidratado! Damos boleia a um policia que precisa de ir para Sul (o comandante ligou dando indicação de que ele tem de ir ao posto da localidade mais proxima) e, não fossemos nós, teria de fazer uns quantos quilómetros a pé. Pelo caminho ainda damos boleia a um sr. de mais idade que carrega um grande bidom de vinho de palma. Cabemos todos e vamos rumo a Sul a ouvir as histórias do homem que carrega vinho de palma, que é de Cabo Verde e diz ser da familia do Ramalho Eanes. Alegremente aproximamo-nos do nosso próximo destino: Praia Jalé!
Ao chegarmos à última povoação, acaba-se a estrada. Os nossos passageiros já ficaram para trás, em paragens intermédias. Procuramos Osvaldo, que trata do empreendimento ecológico onde vamos ficar. Aqui não haverá luz, pouca água doce, mas uma imensidão de mar e de beleza natural. Em nada nos enganámos. A natureza na sua forma mais pura brota nesta praia. O empreendimento ecológico é formado por 4 cabanas mesmo à beira mar, sem  luz nem água mas com uma casa de banho que tem uma pequena bomba manual. Qualquer falta de conforto é absorvida pelo bem estar e pela paisagem que nos rodeia. Exploramos a praia. O areal a perder de vista está completamente deserto. Mais uma vez, somos os únicos hospedes. Esperamos pelo entardecer juntamente com o guarda que ficará a zelar por nós durante a noite. Sentados a observar o mar, esperamos pelo anoitecer e falamos da terra, da aldeia e do país. A praia de Jalé é conhecida sobretudo entre biólogos marinhos por se tratar de uma zona de desova de tartarugas. É esta a época de desova, pode ser que tenhamos sorte!
Ao longe, numa das pontas do areal, um pequeno pedaço de terra desprende-se do restante formando uma pequena ilha onde, segundo o nosso guarda, existem algumas grutas onde vivem muitos morcegos. O acesso só é viável de barco. Com o por do Sol, os morcegos saem à procura de comida e vemo-los a juntarem-se em grandes grupos no ar. Sobrevoam a ilha, como se esperassem uns pelos outros e de repente voam em direcção ao mato. Anoiteceu e pode-se dizer que está realmente "escuro como um breu"! Osvaldo vem de mota trazer-nos o jantar numa panelinha. A mota fica a trabalhar para dar luz enquanto põem a mesa e acendem algumas velas. Jantar: um caldinho com legumes e muito muito picante... vai fazer muito bem ao hospede doente! Comemos e ficamos ainda mais algum tempo a conversar com o guarda. Ele faz pesca submarina e de manhã, quando o outro guarda o vier render, sairá para uma pescaria. Ficará toda a noite acordado a zelar pelas cabanas e promete-nos que se vier alguma tartaruga desovar durante a noite, nos vai chamar. É cedo mas parece já uma noite avançada. Decidimos descansar. Já nas cabanas, a escuridão mistura-se com os ruidos do mato ali mesmo ao lado e a intensidade do mar que engole a noite. Ouvimos barulhos na cabana!! Sobressalto! Que será?! Ratazanas vindas do mato procuram comida... por onde será que entraram? "Dormimo" toda a noite em sobressalto cada vez que ouviamos o roedor.

Dia 7 - Assim que o Sol nasceu conseguimos dormir descansados e sem sobressaltos. Já estávamos na rua quando apareceu o novo guarda. Perguntou-nos se tinhamos dormido bem e eu usei a dica para lhe contar todos os transtornos que tivémos. Ele sorriu e disse que era normal. As ratazanas vêm do mato durante a noite à procura de comida e entram sabe-se lá por onde. Costumam por veneno à volta das cabanas mas mesmo assim não resulta e não o fazem quando há hospedes. Gatos foi também outra alternativa que não resultou em sucesso. Por incrivel que pareça fiquei mais confortável com a facilidade com que abordou o tema. Afinal, é algo normal e não alarmista. Ainda assim... enfim, hoje vamos ao famoso ilhéu das rolas por isso, esperamos pelo Osvaldo que trás o pequeno-almoço (café, pão de ontem, manteiga e doce, banana prata e ananás) e partimos. Descemos de jipe até à aldeia onde Osvaldo já falou com  um percador que nos levará de Piroga até ao ilhéu. Existem barcos do Grupo Pestana que fazem o trajecto permanentemente, mas com o preço de uma dessas viagens, podem ir duas pessoas de piroga. Estou muito curiosa para andar de piroga. Os barcos parecem tão frágeis.. se cairmos não há problema porque não há coletes mas há tubarões :)
Subimos para a Piroga e o pescador pergunta-nos se não nos importamos que leve uma mulher com  uma criança que vivem no ilhéu mas vieram ao posto médico. Claro que não nos importamos e assim subimos 1, 2, 4, ... 7 pessoas numa piroga. Enfiamo-nos no mar dendro daquela "casquinha de amêndoa" e afastamo-nos  da costa. A piroga tem motor, o mar está calma e vamos sem grandes agitações a disfrutar de toda a paisagem. Passamos por algumas pirogas, muitas delas sem motor, levadas a remos contra a força das ondas.
Avistamos o ilhéu e a água muda literalmente de cor assim que nos aproximamos da sua baia. Estamos no meio de uma daquelas fotos de catálogo de destinos paradisiacos em que o contraste entre o azul do mar e o tom creme da areia, são perfeitos. Desembarcamos ao lado do porto principal e combinamos a hora de partida. Algumas mulheres perguntam se queremos almoço, mas com um doente ainda por curar decidimos não arriscar. Talvez aproveitemos para comer algo ao estilo europeu no Hotel e "tirar a barriga da miséria" com as últimas refeições que "não" temos feito. Dirigimo-nos para a praia café e não fazemos mais do que... estarmos estendidos ao Sol e mergulhar. Adivinhem... somos os únicos na praia novamente! O cenário é surreal e paradisiaco. Encontramos imensos "carangueijos parasitas" que mudam de carapaça à medida que crescem. São bastante engraçados e as carapaças que escolhem têm uma grande diversividade. Relaxamos e aproveitamos o Sol e o mar. Aproxima-se a hora do almoço e decidimos ir até ao Hotel. Atravessamos a ilha em direcção ao Hotel.
É no ilhéu das Rolas que fica o marco do Equador, na praia de Sta Joana. O Hotel, é o único empreendimento visivel. Ao lado, um aglomerado de casas e barracas locais onde vivem os S.Tomenses. Dirigimo-nos à recepção e perguntamos se podemos almoçar e onde fica o restaurante. Amávelmente, o recepcionista pergunta-nos como chegámos á ilha ao que respondemos inocentemente "Viémos de Piroga!". Em retorno obtivémos um "Pois bem, é ilegal entrar na ilha de Piroga!!" Estamos tramados pensei. Já experimentámos os serviços de saúde e agora vamos experimentar os serviços prisionais... A ilha foi comprada por um Português que, como propriedade privada, cobra uma taxa de entrada na ilha. Sim, os Portugueses são terríveis! Somos perdoados e deixam-nos almoçar pela modica quantia de 25EUR por pessoa sem bebidas e com a promessa de sairmos da ilha depois. De facto, teriamos mesmo de sair pois a piroga estaria à nossa espera para o regresso. Quando regressámos soubémos a história. O dono comprou a ilha oferencendo dinheiro aos habitantes para sairem, contudo alguns permanecem recusanso-se a sair. Estão há venda lotes de terreno a peso de oro, já com projecto de construção para quem quiser uma modesta casinha de férias numa praia paradisiaca africana no meio do oceano.
Depois da aventura do ilhéu resta-nos saborear o maravilhoso anoitecer na praia Jalé. Conversamos à beira mar e esperamos pelo jantar. Será que teremos sorte e esta noite virá uma tartaruga? A noite cai e fica apenas  o som intenso do mar. O jantar chega de mota: a mesma sopa de ontem eneiquecida com arroz e mais um pouco de picante. Já sei, isto é um teste e ninguém nos disse nada! :) Em breve chegarão os roedores à cabana... não quero dormir a li! Quero ir para o carro!! Está  aí alguém? Será isto uma série do surviver?

Dia 8 - Passei no teste. Bye bye ratazanas. Acordo e retenho todo o azul que posso. Amanhã já estaremos a caminho de Portugal por esta hora. Tudo em redor é único e transmite paz. Tomamos  um banho e depois do pequeno almoço partimos para a cidade de S. Tomé. Hoje é a última noite e ficaremos no Hotel. A viagem é longa, mas sempre animada, com muitos passageiros que vamos recolhendo e deixando ao longo do caminho. Distribuimos os restantes brinquedos e roupas que ainda temos. Encontramos um pequeno grupo de 3 meninos na  beira da estrada. Paramos o carro e eles gritam "doce!" "doce!". Já não temos doces mas os últimos brinquedos. Um deles é mudo e gesticula como um louco quando começamos a tirar os brinquedos do saco. Damos-lhe o carro do homem aranha e a sua expressão transforma-se num misto de euforia e preocupação. Tenta explicar que há mais meninos do outro lado Nós explicamos que não temos mais brinquedos. Olho para o menino do lado que ficou com o homem aranha. Abraça-o com toda a força e tem um brilho no olhar. Despedimo-nos com o reconfortados por termos semeado tanta alegria.
A missão está quase cumprida, falta-nos levar a bola até à praia de Colon. Quando chegamos reconhecem-nos. Vão chamar batista que chega ainda a vestir uma camisa. Dizemos-lhe que viémos entregar a bola como prometido, para que todos possam jogar à bola. Agradece-nos repetidamente e oferece-nos côcos. Agora sim, missão cumprida! 
Chegamos à cidade de S.Tomé pela hora do almoço. Fazemos check in no hotel e subimos para deixar as malas. Um quarto e uma caminha de hotel!! QUE BOM! Vai saber bem uma  noite de conforto e sobretudo sem ratazanas.  
Um amigo que fizemos em Angolares espera-nos à entrada do Hotel. Sabia que chegariamos hoje e veio ter conosco para saber se precisamos de alguma coisa. Saimos todos e ele guia-nos pela cidade dando-nos a conhecer os diferentes pontos da cidade. Leva-nos ao centro de artes onde temos oportunidade de ver o trabalho dos jovens artistas S.Tomenses. Extraordinário! Pedimos para ir ao mercado comprar frutas. Os mercados são o espelho do país. Aqui dentro respiramos S.Tomé. Existem dois mercados. No mercado principal, para além de alimentos que são vendidos no andar de baixo, pode ainda encontrar-se roupa no 1º andar e mobília no 2º andar. Compramos um sap-sap, mas não encontramos fruta-cola. Vamos ao outro mercado que só vende alimentos.  A paciência de Joel é tipica de um "leve-leve". Compramos-lhe algum artesanato e agradecemos-lhe muito a visita guiada. Ainda há tempo para um mergulho na piscina. Não é a mesma coisa que a cascata de Bombaim... Esperamos pelo jantar. Não é a mesma coisa que o jantar de "Le Chef"... Descansamos o voo de regresso será cedo.

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